Machismo
A violência dentro do lar
Mestranda da UFPel entrevista 18 réus julgados por agredir as companheiras em Pelotas
A mestranda critica a falta de seriedade com que a violência doméstica é tratada no Brasil (Foto: Divulgação - DP)
Marcelo e Ana (nomes fictícios) foram casados por 12 anos e, do relacionamento, tiveram dois filhos. O matrimônio era marcado por constantes brigas, ao que em certo momento ela decidiu se separar. Quinze dias depois, ele a procurou pedindo que reatassem. Com a negativa, Marcelo pegou uma faca do envelope que carregava e se colocou em cima de Ana, deixando-a com duas lesões no tórax. Réu, recebeu pena de três meses e 15 dias. A banalização com que a Justiça e a sociedade como um todo ainda tratam a violência contra a mulher é o tema da dissertação de mestrado que a pelotense Elisiane Medeiros Chaves defendeu no Programa de Pós-Graduação em História da UFPel. Nela, entrevistou 18 homens julgados por violência doméstica em Pelotas.
A pesquisa teve início, ela conta, em 2014, quando ainda na graduação produziu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) voltado às vítimas, através de imersões no Centro de Referência em Atendimento à Mulher em Situação de Violência (Cram). “O objetivo era conhecer o que essas mulheres viviam em suas relações com homens abusadores”, explica. Em Pelotas, a Delegacia da Mulher recebe uma média de 500 ocorrências por mês - a maioria envolvendo lesão corporal.
Naquele momento, ela sentiu a necessidade de tratar também sobre os agressores dentro da problemática. “Considero importante saber o que eles pensam, até mesmo para encontrar outros tipos de políticas públicas que possam vir a ser empreendidas nesse combate”, diz, criticando a falta de seriedade com que a violência doméstica é enfrentada no Brasil. Nasceu daí a dissertação de mestrado orientada pela professora Lorena Gill.
A crítica da mestranda se dá a partir de dois principais pontos. O primeiro é a aplicação de penas brandas ou até mesmo inexistentes. Dos 18 casos analisados por Elenise, 13 foram considerados improcedentes - dos outros, se destacam sentenças de três meses. O segundo é a ausência de um trabalho de prevenção, focado na educação dos jovens para que entendam, de uma vez por todas e ainda na infância, que o machismo existe, é errado e mata.
Para a pesquisa, Elisiane entrevistou os 18 réus - um deles é o caso acima. Neles, se destacam falas que admitem a violência e culpabilizam a vítima - pela corajosa decisão de pôr fim a um relacionamento abusivo, por ciúmes, pelo desrespeito do homem enquanto “autoridade máxima”. Vem daí o nome do trabalho: “[…] eu arroxeei os dois olhos, eu gostava tanto dela, não era pra ter feito aquilo comigo”. A frase foi dita por um dos entrevistados, que confessou à mestranda ter agredido uma ex-namorada duas vezes.
Desafios
Para Elisiane, o próximo presidente do Brasil terá como desafio fortalecer os mecanismos criados pela Lei Maria da Penha. Ela cita como exemplo a defasagem de delegacias especializadas no atendimentos às mulheres - apenas 443 dos 5.570 municípios brasileiros contam com o órgão. “E elas sequer funcionam 24 horas, nem domingos e feriados”, acrescenta.
Outro déficit diz respeito ao número de juizados especializados em violência doméstica no país: são apenas 134, levando a maioria dos casos a serem julgados por outras varas.
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